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Archive for julho \22\-03:00 2008

Quanta hipocrisia há em lamentar-se
tudo e lamentar-se
todo.

Que falsidade agasalha o desejo se ser
Outro, qualquer um
Outro.

Se não há olhos para ver
mas para serem vistos ou crerem que o são
Cravemo-lhes as unhas de Édipo e
entreguemo-nos aos outros sentidos tolos

Antes confusos que pretensiosos,
que mentir às claras é mais que
crer
na verdade.

Da vida, da sorte, do acaso
Da calçada que me vence adiante
Dos pés e das pedras às costas
Das folhas que só falam de vento e chuva e sol e seiva
Das flores brutas que gritam para o Amor
sincero.

Que espero eu – que não compreendo –
do que não me diz respeito? Que respeito
me poderia dizer qualquer coisa que não
um patrimônio inteiro de sonhos e vultos de realidade
impronunciável?

Miragens que nem de herança me podem valer
no dia em que não temerei a morte.

Que esperas esgarçam-me as pupilas
e afogam-me as palavras em saliva doce?

Que é isso de esperar, que não percebo
com a razão, mas
que adivinha o coração convulso?

Enjôo da alma…
Uma ânsia qualquer de uma qualquer resposta
para juntar à minha coleção de respostas
divertidas

(vamos trocar as refugo?)

(…)

É tempo de partir.

Quanto, quanto tempo me resta antes
que o dia vá para casa sonhar
estrelas?

Quanto tempo me resta ainda antes
de ser tragada pelo fosso da carne
Sepulcro do sepulcro em que se
vive
Rugas de uma face exausta de ser jovem
e de sabê-lo sozinho

Quanto tempo se pode contar nos dedos
(quantos dedos tem a minha mão
quanta mão tem a minha vontade)
antes que as estrelas caiam aos pés das ondas irrequietas
do meu mar?

E todas cairão, um dia
Que os sentidos fartam-se de Luz
e a Luz também se aborrece do Olimpo
e o Olimpo e a Luz hão de tragar a desilusão

de verem-se menos Olimpo e menos Luz
E beberemos todos do mesmo copo
que não é cálice nem ouro

Mas um reles copo frágil e sujo
como convém a todos

Amém.

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Por amor

Dentre tantos outros eu tenho
um vício incurável

O de ser líquida como a renda do rio
e querer amar a todos
os poros úmidos
das margens.

O vício de não ter forma
a doença de não querer tê-la

Eu penso na Vida e canso
e envergonho-me
de querê-la inteira

(Mas o amor é estúpido!)

E se Ela manda-me ao diabo,
Eu vou.

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Eu nunca me contradigo
eu apenas digo e digo sempre
que tenho vontade

Digo para dentro e para fora
e este dizer de nada me serve
senão para ironizar a consciência
absurda de Ser

Sempre tenho o que dizer
e sempre digo
por isso já não reconheço o timbre
do silêncio e sua paz
de vácuo

Contradizer-se é calar
Calar é não pensar

E não pensar
é ter razão.

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Repito

Tudo já foi dito, dizem
com quantas e outras palavras

Se não foi dito, foi pensado e calado
Há dias de nevoeiro
em que as palavras não estão para primavera

Acontece que às palavras não é dada a verdade
ou a esta, aquelas não saltam

Ou nada disto diga coisa com coisa, pois
a verdade tem cara de palavra
e ambas têm letras e têm sílabas
e ainda por cima têm significados ávidos

por significar

Se as palavras parissem a verdade e
somente ela e de um só fôlego
ainda assim
Tudo é prosa inaudita
porque Tudo ainda
está a vir a ser

Mas se tudo o que digo já foi dito,
Ainda melhor

Porque a minha covardia
ou a minha sensibilidade de porta
prefere os museus
às películas de ficção científica.

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(Não há riscos de luz no quadro negro da noite. O vento arranha as folhas com frio afago. Bocas retas. Olhares perdidos no tempo híbrido. Há música. Sempre há música à noite, nos dedos do vento ou nos rios do sangue. Como não a ouvissem, resignou-se em sussurro. É hora de silêncio.)

Eu gosto do frio. Parece que a solidão é natural.

Você não sabe o que diz.

Sei o que sinto.

Você não está só.

Você não sabe de nada.

Sei que você é linda.

(Palhas de coqueiro acenam para o vazio. A natureza é morta como não o é o óleo sobre tela. Nuvens esgarçadas empoeiram o horizonte. Não há distâncias. Não há verdade. Não há.)

Sou este grão aqui. Está vendo todos esses outros grãos ao redor dele? Não sabem que este aqui existe. Sequer desconfiam. Há mais estrelas no céu do que grãos de areia na Terra, sabia? Pensar na dimensão do Cosmos me faz sentir ínfima, porém igual e viva.

Grande coisa.

Você é medíocre.

Você é gostosa.

É preciso compreender o mundo e a si para aliviar o fardo da vida sob o efeito analgésico da resignação.

Beije-me.

(Pedras desenhadas sob uns tantos passos mudos. Palavras escarradas por precisão. Não há lugar para elas na garganta estreita. O bafo da maresia ainda tem o mesmo aroma de eternidade.)

Não.

Por que não?

Porque você é meu amigo.

Eu não sou seu amigo.

Eu sou sua amiga.

Troco sua amizade por um pedaço de sua língua.

(Cambalhotas de onda na areia. Pêndulo das águas. No tabuleiro de grãos encharcados, o suicídio em bolhas de espuma. Transcendência. O mar não sabe do vento que o assedia. A onda que precipita não sabe do abismo das almas.)

Se eu beijá-lo terei de olhar para você de maneira diferente.

Por quê?

Porque você o fará e esperará isso de mim.

Quero que você me coma com os olhos.

Prefiro olhá-lo com ternura.

Porra de ternura.

Você não sabe viver.

Agora lascou.

Enxergar o mundo com os meus olhos seria um primeiro motivo para eu lhe dar a língua inteira.

Às almas não é dada a identidade, mas a singularidade inconformada da consciência.

Assim seja.

(O ar que rodopia também assovia uma canção. Talvez um lamento. Ou um presságio. Não palpitam as horas nem é firme o espaço. Aquilo a que se olha não é o que se vê. É tempo de sensações.)

Tremo de frio

Vem mais para perto. Deixe-me abraçá-la

Deite-se aqui ao meu lado. Me dê a sua mão.

Eu gosto de você.

(Uma estrela perfura a tela escura da noite. O traço de luz irrompe veloz e prescinde de pincel. Olhos nos olhos: a centelha das almas, o vermelho do ponto remoto. A noite tem olhos de amêndoa. E hoje suas pálpebras pesam, tal como pesam as nuvens. Estas e a chuva que não tarda. Cataratas celestes.)

Eu também.

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No altar promíscuo da noite
ergue-se tinta
a hóstia
envergonhada

Do corpus triste
escorre
sal e gozo
em cálice de narciso

No dorso do espelho
o arrepio das águas.

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